Teremos que continuar brigando pela democracia eternamente
Como podemos responder a ações de intolerância sem sermos também intolerantes? Como podemos responder a ações antidemocráticas sem sermos também antidemocráticos?
Não sei vocês mas "guerra" não estava na minha agenda para 2022. Enquanto eu estava, muito calmamente, escrevendo um texto para processar as falas do maluco com nome de bicicleta, começaram os ataques à Ucrânia. Tudo isso ao mesmo tempo que completamos dois anos de pandemia. Como vocês podem ter percebido, não dei conta de escrever e mandar a news para vocês comentando tudo isso.
Vocês estão bem? Como ficou o juízo por aí no meio de tantos acontecimentos?
Por aqui, eu acabei percebendo uma linha em comum entre tudo que eu tentei comentar nas últimas semanas. Quando o podcaster Monark falou sobre achar que deveria ser permitido a existência de um partido nazista, eu pensei sobre os limites da democracia. Algumas semanas depois, uma amiga me ligou perguntando "como é que faz para resolver essa situação lá na Ucrânia, hein?", acabei pensando a mesma coisa.
Logicamente eu não sei a resposta, só dei risada por ela começar o papo assim, mas ficamos matutando formas de conter o expansionismo de Putin. Começamos com sabotagem digital e fomos até outras soluções mais radicais. (Você também tem sua própria ideia sobre o que terminaria o conflito?). Em todas as alternativas, esbarramos na mesma dúvida: fazer isso é democrático?
Pensar nos limites da democracia me trouxe para o paradoxo da tolerância. Ele vale para o caso Monark e para a invasão da Ucrânia, pois fala sobre o que podemos fazer dentro das regras democráticas. O paradoxo foi proposto pelo filósofo austríaco britânico Karl Popper e pergunta o seguinte: em uma sociedade que prega a tolerância, devemos tolerar o intolerante?
Nas últimas semanas, essa questão ficou martelando no meu juízo porque me vi sem resposta. Como podemos responder a ações de intolerância sem sermos também intolerantes? Como podemos responder a ações antidemocráticas sem sermos também antidemocráticos? Até certo ponto, acho que essas perguntas não devem ter respostas mesmo. Talvez só regimes autoritários e sociedades intolerantes tenham respostas prontas para tudo.
Na comunicação, chamamos de "gate keepers" as figuras de referência que costumavam acessar e distribuir as informações. No mundo antes da internet, o cidadão comum recebia notícias por meio desses "guardiões dos portões", que eram as redes de TV em massa, os grandes jornais, as revistas mais populares. Hoje sabemos que isso mudou. Eu posso ter acesso a diferentes canais, formatos, fontes, enfoques. Eu posso também produzir minha própria notícia. Isso é ótimo, mas é também o que faz com um homem totalmente despreparado como Monark chegue a ter a audiência de milhões.
Sem gate keepers e em uma sociedade democrática nós teremos que discutir eternamente os limites da tal liberdade de expressão. (Eu sei que não era isso que Monark estava fazendo, mas foi o que ele alegou). Na democracia e na tolerância, somos nós que decidimos coletivamente o que pode o que não pode socialmente. É característica da convivência não autoritária que essa "briga" nunca acabe.
Agora o mundo tenta agir para aplacar os ataques da Rússia à Ucrânia de uma forma que não provoque o Kremlin a amplificar a guerra. Só posso imaginar o tanto de gente inteligente que deve estar enfrentando o paradoxo e bolando estratégias democráticas. Estou na torcida.
Aqui do meu cantinho, penso que, para a comunicação, uma boa saída é a ideia do designer Ronald Kapaz. Ele fala que, às vezes, em vez de encontrar respostas precisamos aprender a seguir formulando perguntas cada vez melhores. Eu concordo. Vamos ter que seguir enfrentando o paradoxo da tolerância, mas precisamos tornar esse debate mais qualificado.
O que você acha?
Observação:
Nosso amigo Popper tem uma resposta para o paradoxo:
“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”
Pegando um viés do texto, creio que não nos preparamos para uma sociedade hipercomuncativa sem gatekeeper. Não que precisamos ser guiados, mas é bem dificil se situar na realidade em meio a esse caldeirão de informações que nos é oferecido.