O que é um boato (segundo Érico Veríssimo)
Paradoxalmente, vivemos na era da informação e, ao mesmo tempo, na era da desinformação. Eu gosto muito da explicação do historiador Yuval Harari sobre como na impossibilidade de restringir o acesso das pessoas a dados e notícias, autoridades e indivíduos mal intencionados inundam as redes (e os nossos cérebros) com muitas “novidades”. Assim, fica cada vez mais difícil saber o que é real, invenção, loucura ou “fake news”.
Lembrando disso, gostei também desse trecho do livro Incidente em Antares no qual Érico Veríssimo define bem poeticamente o que é um boato. Além de gostosinha de ler, a descrição dele mostra como o papo furado pode até começar como algo útil para alguns, mas sempre acaba se voltando contra todos nós.
O que é um boato, segundo Érico Veríssimo:
“Ora, um boato é uma espécie de enjeitadinho que aparece à soleira duma porta, num canto de muro ou mesmo no meio duma rua ou duma calçada, ali abandonado não se sabe por quem; em suma, um recém-nascido de genitores ignorados. Um popular acha-o engraçadinho ou monstruoso, toma-o nos braços, nina-o, passa-o depois ao primeiro conhecido que encontra, o qual por sua vez entrega o inocente ao cuidado de outro ou outros, e assim o bastardinho vai sendo amamentado de seio em seio ou, melhor, de imaginação em imaginação, e em poucos minutos cresce, fica adulto — tão substancial e dramático é o leite da fantasia popular —, começa a caminhar pelas próprias pernas, a falar com a própria voz e, perdida a inocência, a pensar com a própria cabeça desvairada, e há um momento em que se transforma num gigante, maior que os mais altos edifícios da cidade, causando temores e às vezes até pânico entre a população, apavorando até mesmo aquele que inadvertidamente o gerou”.